01-11-2016

E eu disse-lhe que fazia coleção de moleskines e que escrevia compulsivamente desde os meus dezasseis anos pois nutri um medo meio que perturbador de me esquecer das coisas que vou vivendo e porque, tu sabes, é a escrever que encontro o único lugar onde consigo realmente entender quem eu - como se eu soubesse sequer . E já que perguntas, confessei-lhe também que houve uns anos da minha vida em que escrevia coisas que me diziam e que eu não queria esquecer. Alguém a chegar nos entretantos da conversa. Acho que no fundo ela não entendeu nada do que eu disse. Ainda bem que escrevo e que tenho cadernos cheios de palavras bonitas. As mangas da minha camisa ligeiramente amarrotadas pela minha fraca capacidade em exercer perfeitamente o acto de passar roupa a ferro. Reparei tarde. Ainda assim, vais-te rir, mas até as conversas de circunstância com alguém que no fundo não percebe o que significam as minhas palavras porque não me conhece de lado nenhum, é o suficiente para passar o resto do turno a escrever merdas na cabeça, as letras que se beijam umas nas outras e se abraçam até parir palavras, as palavras que se lambuzam até formarem frases e textos intermináveis que se tornam fumo instantes depois, Ana estás a ouvir? esta miúda é surda, e eu a ir acordando devagar para a vida real, essa agora querida mas outrora puta que não me tem corrido como havia imaginado: tantas coisas que eu queria estar a fazer e não estou, tantas coisas que eu queria já ter conquistado e não conquistei, tantas cadeiras onde poderia estar a ser boa profissional na área que amo e não estou, mas calma Ana que a vida dá muitas voltas e obriga-nos a ter calma. Agora estou no lugar certo para ter calma. E a cada dia em que sou feliz em Sagres, em que o trabalho me corre bem, a cada dia em que chego a casa cansada mas feliz, a cada dia em que posso admirar e vergar-me perante a infinidade do mar, mirar atenta e curiosa cada recanto daquele azul até á linha do horizonte; a cada dia que gozo a possibilidade de ter a minha pele salgada porque a praia é a 40 metros da porta da minha casa; a cada dia em que posso finalmente usufruir da grande sorte que tenho em viver com o meu melhor amigo, por sinal também meu querido namorado, e saber que o tenho sempre aqui para me ir amparando, eu entendo que estou no sítio certo para ter calma e ser feliz devagar. Não te preocupes, estou bem. Tenho pensado. Tenho respirado. Tenho metido a vida em dia. Tenho escrito. E tenho tentado perdoar, mas sobre isso falamos depois. Tenho saudades de dançar. Mas de dançar uma coisa como deve ser. Dava um dedo mindinho do pé por uma boa festa de techno. Porra. Ainda assim, tenho-me esforçado como te disse, para regressar àquilo que quero ser. E eu vejo isso em cada hora que tenho para ficar sozinha, geralmente em vésperas de folgas até às cinco da manhã, vejo isso ao recordar, fodasse sabe bem recordar, e vejo isso nas músicas estranhas que eu oiço. Não ter ninguém por perto que tenha o mesmo gosto musical estranho tem-me custado, sei que achas isso curioso e eu também. Porque só se está verdadeiramente longe de casa quando não se tem ninguém ao nosso lado que oiça a mesma música que nós e eu aqui não tenho ninguém que saiba o que é trip hop ou conheça Massive Attack, ou se arrepie com Sigur Rós, Portishead, James Blake, Linda Martini... Um único recanto onde eu diga que chorei num concerto de Rhye e não haja uma alma que conheça. Ou já me bastava alguém que não dissesse que adora hip hop embora não conheça  Mos Def, Chance the Rapper, Tyler the Creator ou Kendrick Lamar. Eu gosto tanto de ti porque te arrepias nas mesmas partes das músicas que eu.
 Há dias em que a vida real é demasiado cansativa para me encontrar, mas lá descubro um jeito de sentir a minha pele novamente, as minhas mãos. Estou no sítio certo, por enquanto. Vá lá, já sabes que não é por muito tempo. Ainda há muito por escrever.

25-09-2016

Perseverança e resiliência.
Perseverança e resiliência.
Perseverança e resiliência.
Perseverança e resiliência.
Perseverança e resiliência.
E de certeza que vai correr tudo bem.

15-09-2016

A verdade: eu não estava preparada.
Porque não há preparação possível para o lugar escuro e fétido onde vamos parar quando saímos da faculdade.
O lugar onde o telemóvel está sempre com som e onde se verifica o e-mail de hora a hora.
O lugar onde não há notícias nem respostas mas há demasiada gente.
Não estava preparada.
Mais de 300 currículos depois.
Dinheiro gasto sem o ter em transportes para entregar três-folhas-do-que-tenho-feito-da-vida em mãos.
Vídeos de Apresentação.
Este lugar é uma desilusão porque eu pensava que era especial
e podia fazer coisas para mudar o mundo mas não posso.
Nunca fiz nada que outras pessoas não tivessem já feito,
ainda assim acredito que possa um dia fazer coisas maravilhosas.
Somos enganados toda a vida com a ideia de que vai correr tudo bem mas não corre
e que quando acabarmos o curso vamos arranjar o emprego dos nossos sonhos.
Os tempos estão difíceis, dizem, mas no fundo não acreditava,
porque as pessoas com a minha idade acreditam sempre que vão ter um lugar ao sol.
Dizem que somos especiais e iremos explorar sítios incríveis mas voar é um privilégio só de alguns.
A vida de adulto é a pior experiência que tive até hoje mas não posso fugir disto.
Estou muito cansada e com vinte e quatro anos não se pode estar cansado.
Mas estou.
E revoltada.
Eu quero honestamente que enfiem o estágio curricular no cu,
porque o estágio curricular foi criado para meninos que podem ser sustentados pelos papás.
E eu falo assim por pura inveja.
Eu não invejo mais nada nem ninguém que não os meninos que podem ser sustentados pelos papás.
E por papás diga-se pomposas cunhas em empresas de sonho.
Têm sorte pá, aproveitem.
Façam coisas extraordinárias no alto da vossa estabilidade e conforto.
Eu não posso receber 500 euros de ordenado malta,
desculpem,
mas eu vim a este mundo para viver e não para sobreviver.
Eu tenho coisas para pagar e não quero viver só para pagar as coisas que tenho para pagar.
Eu recuso-me a viver desta maneira.
Lisboa eu amo-te tanto mas quero tanto ir embora.
És a cidade mais linda que eu já vi mas eu também não vi muitas mais.
As pessoas que sobrevivem não podem conhecer o mundo e isso é uma merda.
Não me digas que às vezes é preciso fazermos coisas que não gostamos porque a vida é dura,
não me digas isso, agora a sério:
eu sei disso melhor que tu porque já tive muitos trabalhos que não gostava.
Eu falo desta maneira fria mas não é por querer que a vida seja perfeita ou fácil,
nem por achar que só devo fazer coisas que gosto.
Eu só acho é que há uma altura em que já não é justo.
Porque é que eu tenho de servir às mesas ou vender sapatos se não foi para isso que estudei?
Porque é que eu tenho de servir às mesas ou vender sapatos se não é isso que eu quero?
Porque é que eu tenho de servir às mesas ou vender sapatos se não é isso que me faz feliz?
Para sobreviver Ana, para sobreviver.
Mas eu não quero mais sobreviver eu quero ter dinheiro para pagar a renda a horas,
eu quero ter dinheiro para poder ir dançar de vez em quando e ir ao Pingo Doce sem ter de fazer contas.
Servir às meses ou vender sapatos é um sonho como qualquer outro mas não é o meu e é esse o problema.
Eu tive de aprender a ser eficiente em trabalhos onde não queria estar mas precisava.
Ah mas ao menos tens arranjado trabalhinhos e feito uns trocos,
Ah mas não te queixes que tu ao menos não tiveste de voltar para casa dos pais,
Mas eu não tive de voltar para casa dos pais porque faço sacrifícios e tenho empregos que não gosto.
E porque tenho ido à luta por saber inventar as minhas próprias armas.
Eu estou farta de ter trabalhos onde não puxo pela cabeça.
Eu estou farta de ter trabalhos que não me dão tesão intelectual.
Eu valho mais que isso.
Eu tenho ideias.
Eu sei escrever bem e rápido.
Eu até tenho algum jeito para fotografar pessoas.
Eu não investi dinheiro e esforço para isto.
Eu fui parida para ser feliz porra!
Eu fui parida para ser feliz!
Eu fui parida para fazer o que me faz vir.
Eu não quero mais ser explorada,
trabalhar 6 meses sem um contrato ou um desconto,
eu não quero receber ordenado só quando dá para receber.
Porque na vida real as contas têm de ser pagas antes de dia 8 de cada mês.
A empresa tem dificuldades financeiras
mas eu também as tenho.
Lisboa eu amo-te tanto e há seis anos que somos felizes juntas mas és uma puta cara,
és uma puta demasiada cara para o meu bolso,
pensar que o dinheiro de um quarto aqui equivale a uma casa noutra cidade do país deixa-me envergonhada,
envergonhada por insistir em ficar cá.
Mas a culpa não é minha mas sim do meu país brutalmente centralizado.
Não me digas que se fazem coisas maravilhosas fora de Lisboa que eu sei que se fazem,
mas não há espaço para todos.
Sinto-me mais confiante que nunca mas isso não dá jeito nenhum,
porque seria mais fácil acreditar que estava destinada a um trabalho que não gostasse,
que a minha vida seria só isso,
talvez se me tivessem convencido que era igual a toda a gente eu fosse uma miúda que pedisse menos,
talvez até fosse mais feliz porque os mais burros são sempre os mais felizes.
Eu peço mais do que isto mas porque sei que consigo.
Talvez fosse mais fácil encostar-me, contentar-me e ter uma vida como toda a gente
de cabeça baixa a fazer o que há para fazer.
A viver a vida que quero ter apenas na minha cabeça.
Mas sou uma miúda sonhadora e serei sempre, podes crer,
os sonhos servem para saírem da nossa cabeça e viverem nas nossas mãos.
Vamos brincar à gratidão de ter um trabalhinho sem condições,
Com horário repartidos a fazer coisas que detestamos para sermos felizes só aos fins de semana.
Gratidão uma merda,
eu tenho valor e quero ter condições e ganhar bem.
A vida passa veloz e não quero ter filhos aos quarenta anos,
eu quero ter uma casa minha e poder tirar a carta de condução.
Porque é engraçado ver miúdos de 18 anos a conduzir um carro e eu não,
eu não quero ter um trabalho com uma folga semanal
porque adivinhem:
eu já os tive
e eu quero ter uma vida além do trabalho
e ter 20 euros se me apetecer ir ao teatro.
Eu quero ter dinheiro para poder comprar um livro
sem ter de abdicar da conta de internet.
Ninguém merece ter uma folga semanal à segunda feira
para chegar aos 80 anos e pensar que não se aproveitou a vida enquanto se era jovem.
Eu não vou ser comida lentamente por um trabalho mal pago que não me realiza.
E que se foda este texto que eu agora tenho de ir enviar mais uns currículos que ninguém vai ler,
porque os cargos bons na verdade não abrem concursos públicos,
as cadeiras já estão quentes para os filhotes dos amigos.
Cada um vai safando-se como pode e eu se tiver uma cunha em algum lado
Vou aproveitá-la muito bem também.
Toda a gente me vomita dicas para conseguir o que quero
Mas a maioria dessas pessoas nunca as utilizou,
porque antigamente ias para um trabalho aos vinte anos e ficavas lá até à reforma.
E hoje pedem que fiques feliz e satisfeito com um contrato de 6 meses sem condições.
A vida dá muitas voltas e eu espero um dia ler este texto e rir-me,
sentada num jardim a ver os meus filhos crescer sem preocupações.
Não estava preparada.
Porque não se pode estar preparado para não se ser reconhecido nem ter uma oportunidade
depois de tanto sacrifício e suor.
Alguém me dê um bilhete só de ida que eu quero ir trabalhar para fora,
mesmo que as saudades do meu sobrinho me laminem a carne em fatias,
de qualquer maneira nem tenho conseguido visitá-lo todas as semanas como gostaria
tal não é a madrinha que sou.
Amo-o muito e penso nele todos os dias,
e quero ter dinheiro para o levar ao Jardim Zoológico daqui a uns anos.
Mudei muito desde o dia em que fiz o meu último exame na faculdade,
sinto-o.
Estou muito cansada do meu último ano porque não tenho tido descanso
e quando vislumbro ao longe uma hipótese que as coisas possam correr bem
não correm.
Não sou uma miúda com azar porque eu tenho uma vida maravilhosa
cheia de amor e de amigos e sorrisos apesar de tudo,
mas eu só queria ter um emprego para o qual estudei que me desse condições humanas
e não me considerasse um número inútil.
Tenho-me cruzado com muitas pessoas pelo caminho
e realmente há talentos incríveis que nunca irão correr o mundo.
É injusto e profundamente triste
e eu não me conformo.

17-08-2016

Meu amor.

Acho que nunca te chamei de meu amor.
Nas grandes amizades não há tempo para palavras gastas nem para inhos e mariquices. É-se, simplesmente, o que se é.

Respirei o dia inteiro inquieta com ânsias de te escrever pois só hoje concebi que já não somos as meninas que viajavam por Itália cheias de sonhos. Estamos crescidas. Estamos Mulheres. E hoje vejo-te mais Mulher do que nunca porque ser Mulher é ser valente e corajosa.

Admiro todas as pessoas que têm de viver sem uma Mãe.

Porque viver sem uma Mãe deve ser acordar todos os dias em carne viva, inflamada, a arder. Deve doer para caralho. Deve queimar a alma toda e o corpo também e deve chamuscar os sonhos e as esperanças e a vontade de viver. Deve queimar tudo goela abaixo até se ouvir o borbulhar fervido do nosso próprio grito.

É-me insuportável escrever-te sobre isto porque ontem escrevia aqui sobre como Florença é bela a teu lado. E hoje escrevo-te sobre o pior dia da tua vida. 

Não se pode ser sempre feliz. 

Desconfio que somos totalmente felizes apenas em criança e que os níveis vão descendo com os cabelos brancos. Viver é, digam o que disserem, ir perdendo felicidade em pequenas doses todos os dias. Começa com a saudade fininha dos tempos de escola, dos baloiços e das férias grandes. Morre o cão companheiro de infância triturado por um carro qualquer. Perdemos os nossos avós. As famílias zangam-se. Os lugares desaparecem. E eis que no climax da dor humana se encontram todos aqueles que não têm Mãe.

É por isso que hoje te comecei a admirar.

Raramente me fogem as palavras quando me apetece escrever aqui. Neste lugar que é metade teu. Neste banco tão nosso onde se provam por escrito as aventuras e trapalhadas de duas miúdas que vão vivendo o melhor que sabem. Quem diria que chegaria tão cedo o dia em que deixas de ser pirralha.

Quando se vive sem uma Mãe não se pode ser mais criança. 

Sinto muito Tatiana. Sinto muito. A vida às vezes sabe mal.


Sê crescida e sê Grande mas volta sempre aqui quando quiseres voltar a ser criança.

15-06-2016








15-06-2016








Segundo a minha contagem aldrabada já vivi em sete casas diferentes. Sete. Já sei de cor as rotinas das mudanças, do arrumar, do habituar o corpo a uma cama nova. E sei também, sete casas depois, que são as pessoas a quem abrimos a porta que fazem de uma casa, a nossa casa.

Porque a nossa casa é também feita de amigos.

(a olho nu, a varanda do meu quarto não está assim tão suja!)

Gorillaz - Demon Days




"In demon days, it's cold inside
You don't get nobody, people sigh
It's so bad, lasting far, but love yourself
Hiding in a hole in there
All the glasses are far too big bring it back, got to hold it back
To let you do that yet you don't want me back
Before it fall down, falling down, falling down
Falling out to go far, far from the sun
In these demon days it's so cold inside
So hard for a good soul to survive
You can't even trust the air you breathe
Cause mother earth wants us all to leave
When lies become reality you numb yourself with drugs and TV
Pick yourself up it's a brand new day so turn yourself round
Don't burn yourself, turn yourself 
turn yourself around into the sun"

Rubel - Pearl | álbum

Se eu te disser que tenho ouvido este álbum do início ao fim repetidamente há uma semana, acreditas? Ok.

Rubel




Não tenho vindo a nossa casa. Desculpa. Continuo a amar-te muito. Descobri uma banda sem querer e estou muito in love. Não contes a ninguém nem partilhes nos sítios onde se publicam músicas de que gostamos. Deixa ficar isto só entre nós. Saio às seis. Até já.

02-08-2015

Das coisas mais dolorosas porém mais importantes que tenho aprendido é que nove em cada dez pessoas são mais simpáticas e gostam mais de ti se tiveres menos dez quilos nos queixos. Fuck off.

21-07-2015

Eis que um nosso conhecido demasiado jovem para deixar as tripas espalhadas numa estrada qualquer vai desta para melhor e nós, demasiado estúpidos e apressados, prometemos de mão direita estendida no peito deixarmos o nosso emprego que odiamos e fazermos as pazes com quem algum dia nos feriu. Amanhã dou um murro na cara do meu chefe. Com sorte ainda roubo algum material de escritório. Vou viajar. Vender a minha casa e viver na praia. Vou fazer amor mais vezes com a minha mulher e gritar menos quando os miúdos se encherem de lama.
E choramos ranhosos e inchados pela morte e por todas as tripas espalhadas de gente a quem nunca dissemos gosto de ti pá, és importante na minha vida. Limpamos o nariz à manga da camisa e vamos embora, que amanhã é dia de trabalho.

Somos uma merda tão grande.

Akua Naru - The Block


soberbo... fodasse!

15-11-2014

Aguardando ansiosamente e com algum pânico a subir-me entranhas acima o dia em que vou finalmente fechar a última mala e me vou deslocar lavada em lágrimas até ao aeroporto com um frio nervoso gravado em ferro quente nas mãos, até à próxima e vai correr tudo bem, e avisto uma última vez a famelga e o homem que acredito ser aquele bocado rasgado que é metade de mim e que eu tive a grande sorte de encontrar para a minha vida. Nos entretantos vou fazendo figas para que a vida nos deixe ser felizes noutro continente quando ele finalmente puder ir ao meu encontro, fico calada sem contar nada a ninguém que eu não gosto dessa história dos outros saberem tudo dos nossos planos, e vou fazendo um porquinho a focar pessoas no cartão de memória e convicta que dois mil e quinze vai ter mais uma licenciada abandonada pela pátria, emigrante longe do seu colo mas determinada em voar para longe daqui. Porque há pessoas que foram feitas para voar e eu quero acreditar que sou uma delas.

então queres ser um escritor?

se não sai de ti a explodir apesar de tudo, não o faças.
a menos que saia sem perguntar do teu
coração, da tua cabeça, da tua boca
das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que estar horas sentado
a olhar para um ecrã de computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou
fama,
não o faças.
se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como outros escreveram,
não o faças.
se tens que esperar para que saia de ti
a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.

se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás preparado.

não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de
pessoas que se consideram escritores,
não sejas chato nem aborrecido e
pedante, não te consumas com auto-
— devoção.
as bibliotecas de todo o mundo têm
bocejado até
adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da
tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou
ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças.

quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.

não há outra alternativa.

e nunca houve.



Charles Bukowski
(Tradução: Manuel A. Domingos)
Poema original aqui

Alguém disse 18

- Estás com coragem?
- Se não tiver coragem aos vinte e dois anos, não vou ter nunca.

26-10-2014

Conclusão em dó menor enquanto se estuda Inglês:
Nós acabamos sempre por sentir
aquilo
que demos a sentir aos outros.

Fim,
voltemos à secretária desarrumada.

24-10-2014

Mais um amor de plástico com 0% de açúcar, comprado na quinta prateleira a contar de baixo, terceiro corredor à esquerda. Um rótulo já gasto cuja tinta das letras se solta mais um pedaço, todos os dias, 10% de indiferença, 40% de sexo, 5% de balelas. Uma discussão de vez em quando. Mais um amor empacotado, amofinado, selado por duas entidades perdidas nas vielas de uma cidade deserta. Um amor cozinhado em lume brando e esquecido em cima da chama até transbordar para fora da taça com bolhas aflitivas. Um amor de microondas. Aquecido a 140 graus durante os primeiros meses. Mais um amor que nem é amor porque as pessoas gostam-se, aturam-se, habituam-se. Vão convivendo. Vão-se fodendo. Já ninguém quer participar num amor igualitário entre os intervenientes. Tu podes ser, mas eu tenho de ser mais que tu. Tu podes voar, mas eu tenho que voar mais alto que tu. Tu podes ser bonito, mas eu tenho de ser mais bonito que tu para o caso de andares aí com ideias de. Eu posso sofrer mas tu tens de sofrer mais do que eu. Não te reveles superior a mim em nenhum momento, que isso não pode ser. E as pessoas vão vivendo nesta nojeira imunda, que fede e me dá vómitos. Pontualmente vão surgindo casos onde efectivamente este amor plastificado se manifesta duradouro: as pessoas casam-se, prometem merdas que nunca vão cumprir, gastam dinheiro no copo de água e na lua-de-mel que é a única viagem em conjunto que fazem na vida. Têm filhos. Deixam de conversar. Ficam cansadas delas próprias e do outro. E separam-se, enfim. Mas eu acredito no alto dos meus ténis esburacados que isso acontece porque nós não suportamos que haja alguém melhor que nós. Vivemos na esperança que o Outro seja inferior a nós, porque se for inferior a nós é ele quem sofre e não nós, não nós, nós nunca. Deixa-me lá saber mais do que tu. Deixa-me lá ter mais sucesso. Deixa-me lá receber um salário melhor que o teu. Deixa-me lá trair-te para não ser eu o desgraçado de testa pesada. Vivemos um jogo de Quem é Melhor que Quem?. As pessoas já nem se fodem como deve ser, porque não sabem. Vem no rótulo do amor plastificado: contra indicações: possível desconhecimento súbito do acto de foder.
Eu sei que ninguém pensa nestas merdas porque temos o curso para acabar, porque temos de trabalhar das nove às seis. Porque há os filhos e as obrigações e a cidade que não pára. Porque ninguém quer ficar sozinho, a viver num T1 com 3 gatos e sem lençóis desarrumados todas as noites. As pessoas têm medo de ficar sozinhas e é por isso que se rebaixam, que se calam, que em muitos casos sofrem agressões físicas e psicológicas. Tudo por causa deste amor de microondas, falsificado, adulterado, sem paixão, arrefecido e com bolor. Este amor rançoso, infectado e fedorento.
Eu prefiro morrer sozinha, viver focada na carreira e dividir casa com dois cães do que participar neste sentimento fétido e fora de validade. Prefiro morrer sozinha se for para viver desta maneira nauseabunda. Quero alguém que partilhe o pódio comigo, que admita que podemos viver em equilíbrio, tu fazes isto tão bem mas aquilo já não fazes e eu vou ajudar-te. Sê e voa, não me importo, eu sou e voo também, e vamos voando sem invejas e sem merdas. E podes chorar e gritar a meio da noite, que eu abraço-te. E olha, nem precisamos de casar, vamos só ficar juntos e encher esta casa de putos ranhosos que oiçam boa música, que leiam, que sejam bondosos e educados. E vamos ter um cão ou dois para nos esburacar o jardim, que eu não me importo. E quando eu tiver febre sei que estarás aí, para cuidar de mim. E sei que nunca me vais deixar sozinho no escuro e que me vais aquecer quando tremer de frio. Sei que o nosso amor não foi comprado nem fabricado do outro lado do mundo. Foi moldado a nós os dois, com as nossas mãos. E quando te sentires perdida insegura e triste eu vou estar aqui para te mimar. Quando não souberes cozinhar esse prato eu ensino-te. Quando não souberes por onde ir eu guio-te. Não quero nem preciso ser superior a ti, quero dizer-te todos os dias que te amo, que és uma pessoa especial e única no mundo. E que preciso de ti, tanto, para ser feliz. Que preciso de ti para ter paz. Que preciso de ti quando estou zangado porque me dás calma.

As pessoas compram amores de microondas mas eu não, eu não. Recuso-me. E sou grata por ter do meu lado um rapaz que também não compra, e que eu amo, muito, sem rótulos e bolor. 
Um amor 100% amor.

08-10-2014

Quando ele se afirma como mais uma desgraça sem rumo, uma vítima de si próprio que se vai arrastando no vómito de sempre para que a turba engula que está tudo bem e se cale, calem-se por favor calem-se. O actor que interpreta o vilão na novela da noite, asqueroso desprezível imundo infame. Só. Terrivelmente só sem entender porquê. A sombra perdida de um beco qualquer, pináculo de gulas e ciúmes; possessivo doente e louco que lambuza agora os seios de uma mulher como se a sua vida dependesse disso. Uma dor fina dos pés até ao âmago da sua existência inútil, beijaram-se pela primeira vez e logo ele soube que aquela seria a última mulher que beijaria na sua vida.
Tu serás a última mulher que beijarei na minha vida.
Ligeiramente mais baixa e sardas a rebentarem-lhe na cara, não te importas que eu seja isto? Que eu seja este bocado de carne em desassossego perdido em pesares que nem eu próprio sei explicar? Não te importas que seja um constante sufoco, acordando em aflição e em aflição me deitando noite após noite após noite após noite após noite após noite? Não te importas que ande em constante sobressalto alvoroço sendo falso para todos e para mim mesmo, mentiroso cobarde ansioso abalado por mim próprio? Inquieto? E ela finta-lhe um olhar distante e não lhe responde enquanto se deleita no corpo dele devagar, porque as coisas devem ser feitas devagar e a vida deve ser levada devagar mas ninguém consegue nem concebe essa ideia de mãos acorrentadas e emoções controladas pois que sabe bem dar um grito de vez em quando e ter sexo a três, ah!, só para nos esquecermos que somos uma merda e nunca vamos efectivamente ser ninguém neste pedaço redondo de terra e guerras vãs. Quando ele afirma ser mais uma vítima que tresanda a vida citadina louca insana enquanto a admira, entorpecido e excitado, a lamber o órgão mais precioso que ele possui e agarrando-lhe os cabelos loiros com fulgor, a respiração ofegante, a saliva dela a escorrer-lhe carne abaixo afundada e alagada na tesão que agora ele é, até as sardas sumirem atrás de um perímetro abdominal pouco cuidado. Ninguém sabe o que vai para além de um tiro na cabeça ou de uma corda ao pescoço, e é então que ele,  aquele ser indigno desajeitado e sem fé, pega no corpo da mulher sem dó e a vira de costas para si sob uma cama velha cansada e farta de assistir a sexo ocasional com outras putas, sepultando-se dentro dela em movimentos de vai e vem, as mãos totalmente esticadas passeando pelo corpo dela, as costas, as nádegas jubilosas, os cabelos, os seios erectos, a alma, tudo devagar para lhe entrar na pele e nas entranhas, até não sobrar qualquer vestígio de carne possível de ser lambuzado.
Talvez a gente exista para vivermos sozinhos, caminhando imundos e amargos num caminho que é só nosso e de mais ninguém, para mais ninguém, sem prender ninguém, sem arrastar ninguém para um penar que só nós entendemos, quando entendemos, e é tão difícil entender esta merda, isto é tão difícil.
Ele vem-se dentro das vísceras daquela mulher num gemido demorado amargo sentido, as sobrancelhas fundidas às bochechas quase que a esconder aquele olhar agora longe enquanto lhe aperta as nádegas outrora carentes e sai, finalmente, de dentro dela. Apunhalado pela vergonha daquilo que ele se tornou, olha para aquele corpo ainda esticado de barriga para baixo uma última vez, abre a segunda gaveta a contar de baixo, eu no fundo sabia que serias a última mulher que iria beijar. Coloca na sua mão a única fuga possível, a passagem para um sítio novo e longínquo onde não há dor quando se acorda e onde não se chora silenciosamente em comboios. Aponta o objecto de salvação no centro da testa e puxa o gatilho. O sangue esguicha afincadamente e sem piedade pelo quarto. Ela grita e vai embora.

08-10-2014


a última fotografia do quarto andar sem elevador, para não me esquecer dele nunca.

Alguém disse 17

- Ainda te vou fazer mais feliz!
- Não dá, depois expludo...
- ...
- ... e tens de encontrar os bocados de mim espalhados pelo chão e colar tudo de novo.
- E eu encontro.

21-07-2014

Saudosos velhos tempos aqueles em que era a  minha escritora predileta durante os minutos aliviantes e desafogados do meu dia em que vomitava alguma coisa sem pensar e de forma estupidamente genuína, mas simplesmente não consigo escrever devido a esta espécie de bloqueio inútil estúpido desnecessário que me irrita profundamente porque ando desassossegada com não sei quê. 
Precisava mesmo de escrever.

Talvez seja só...
É, deve ser.