Evoco agora com carinho e pesar aquele instante em que te conheci e te declarei como entidade capaz de alterar a minha vida durante os poucos meses que se seguiriam, pois que foi agradável a sensação autêntica porém momentânea de que eras alguém especial que não me fazia sentir estranha e me incentivava a acreditar que talvez houvesse um Ser idêntico a mim, alguém que se assemelhasse ao meu reflexo íntimo privado desconhecido para muita gente e até para ti, até para ti; alguém que pensasse da mesma forma que eu, alguém que dançasse como eu, alguém que gostasse de sentir as coisas como eu, alguém que ouvisse a mesma música que eu, alguém que gostasse do mesmo género de filmes que eu, alguém que não se importasse de ver o sol nascer só porque sim, só porque sabe bem, só porque é bonito; alguém com quem eu pudesse estar calada sem me sentir incomodada, alguém que soubesse conversar. As pessoas já não sabem conversar. Só quando deixaste de me doer é que entendi verdadeiramente que já estava destinado a ser desta forma e não daquela, a ser assim e não assado e se for a colocar as minhas mãos na consciência vejo agora que fui demasiado apressada punitiva inquieta de livros nas mãos e braços frágeis, sem tu saberes, incapaz de ver o caminho lucidamente e sem parar no sinal vermelho porque não quis abrandar o sufoco tão bom que sentia quando estava contigo.
E enfim que dei por encerrada a nossa história mal contada, mal acabada, aldrabada, soube eu mais tarde. Assinei um termo de responsabilidade e carimbei o tratado com a mão dormente achando-me mero pedaço de matéria ingénua que gostava de ti. Muito. Façamos então jus aos prazerosos momentos tão bem passados - porém totalmente desprovidos de qualquer pingo de afeição da tua parte - que partilhámos no conforto do nosso lar em segredo. Descansa. Caso anseie futuramente encontrar alguém que me transborde me sufoque e me faça doer de felicidade dirigir-me-ei até ao próximo número da revista Maria. Não te rias. Juro de mão direita estendida no meu peito apunhalar a minha noção de ridículo pelas costas e deixar escrito em quatro centímetros de folha inútil numa folha de Classificados: sou a Ana. Procuro alguém como ele que oiça a mesma música que eu. Procuro alguém como ele que consiga ser meu sem artifícios. Procuro alguém como ele que não se vá embora. Não o procuro, porém, a ele. Só a alguém como ele. Um bocadinho. Com umas parecenças, vá. Poucas. Aceito.