Não fiques se não aceitares que não tenho olhos claros nem visto o xs, que prefiro sapatilhas a saltos altos e que sou míope, sabes, daquelas que não vê um boi ao longe e tem uns óculos da marca eu até gosto e ficam-te bem mas eu não usava. A minha voz é um desastre mas no entanto canto sempre em karaokes, oiço músicas que a maioria dos meus amigos não conhece, não gosto de bonecas de porcelana, arrepio-me quando oiço um violino e não fico histérica quando vejo aranhas. Não fiques se não aceitares que enfim, eu não peso cinquenta quilos meu caro, faço parte das mulheres com ancas e rabo e mamas - ai que ela disse mamas em vez de seios - os meus dentes não são direitos e quando sorrio os meus olhos ficam com demasiadas rugas de expressão. Não fiques se não aceitares que às vezes gosto de estar calada e pensativa só porque sim, e porra eu não estou triste eu estou bem não sejas chato, eu estou bem só quero estar calada e agora dizes-me oh Ana mas isso é toda a gente e não, não é que eu sei que vivo penso e sinto as coisas de forma diferente, escrevo sonho reparo em merdas a que ninguém liga e às vezes sinto-me demasiado estúpida por ser assim portanto não fiques. Não fiques se não aceitares que não sou boa cozinheira, que dou demasiada importância às mãos das pessoas e que gosto de ver desconhecidos a passar na rua para escrever sobre eles e diz-me lá que isso é doentio, diz-me lá. Não fiques se não aceitares isto que sou, por favor vira as costas seu sacana, vira as costas bate com a porta se não aceitares que sou demasiado chorona nos filmes e que aponto as coisas bonitas que me dizem tal é a ridícula que sou, não me importo de falar sobre tripas sobre sexo sobre morte e sabes, eu na realidade nem me esqueço das virgulas nos textos se é isso que estás a pensar. Não fiques se não entenderes que chorei o tempo todo no concerto do Manel Cruz, se não entenderes como sou tranquila quando mais ninguém o é ai tu não fiques!, não fiques por favor se não entenderes que tenho um andar desengonçado e que danço de olhos fechados e tanto que gosto de dançar, nem imaginas mas é das melhores coisas que posso fazer na minha vida. Dançar. Não fiques se não aceitares que sou impulsiva e preguiçosa para o que não gosto, não fiques que eu consigo ser inconsciente irresponsável quando quero e com quem quero e gosto de ser assim. Não fiques se não entenderes que sou sádica o suficiente para me rir de piadas sobre judeus e sida e gente mutilada, que eu adoro humor negro e tudo o que tenha a ver por isso imploro-te agora, imploro-te, não fiques, apaga o cigarro dobra o filtro contra o cinzeiro fecha a porta, há noites que enfim, são assim mesmo, bocados feios e demasiados longos com estas coisas que somos e que nem sempre são bonitas portanto não fiques porque eu desconfio, sinceramente, que a piada destas noites feias seja encontrar alguém que queira ficar e saiba, conscientemente, as bestas ridículas perdidas ambulantes que somos. Mas que fique, sabes. Que fique mesmo assim. Que fiquei apesar de.
