15-09-2016

A verdade: eu não estava preparada.
Porque não há preparação possível para o lugar escuro e fétido onde vamos parar quando saímos da faculdade.
O lugar onde o telemóvel está sempre com som e onde se verifica o e-mail de hora a hora.
O lugar onde não há notícias nem respostas mas há demasiada gente.
Não estava preparada.
Mais de 300 currículos depois.
Dinheiro gasto sem o ter em transportes para entregar três-folhas-do-que-tenho-feito-da-vida em mãos.
Vídeos de Apresentação.
Este lugar é uma desilusão porque eu pensava que era especial
e podia fazer coisas para mudar o mundo mas não posso.
Nunca fiz nada que outras pessoas não tivessem já feito,
ainda assim acredito que possa um dia fazer coisas maravilhosas.
Somos enganados toda a vida com a ideia de que vai correr tudo bem mas não corre
e que quando acabarmos o curso vamos arranjar o emprego dos nossos sonhos.
Os tempos estão difíceis, dizem, mas no fundo não acreditava,
porque as pessoas com a minha idade acreditam sempre que vão ter um lugar ao sol.
Dizem que somos especiais e iremos explorar sítios incríveis mas voar é um privilégio só de alguns.
A vida de adulto é a pior experiência que tive até hoje mas não posso fugir disto.
Estou muito cansada e com vinte e quatro anos não se pode estar cansado.
Mas estou.
E revoltada.
Eu quero honestamente que enfiem o estágio curricular no cu,
porque o estágio curricular foi criado para meninos que podem ser sustentados pelos papás.
E eu falo assim por pura inveja.
Eu não invejo mais nada nem ninguém que não os meninos que podem ser sustentados pelos papás.
E por papás diga-se pomposas cunhas em empresas de sonho.
Têm sorte pá, aproveitem.
Façam coisas extraordinárias no alto da vossa estabilidade e conforto.
Eu não posso receber 500 euros de ordenado malta,
desculpem,
mas eu vim a este mundo para viver e não para sobreviver.
Eu tenho coisas para pagar e não quero viver só para pagar as coisas que tenho para pagar.
Eu recuso-me a viver desta maneira.
Lisboa eu amo-te tanto mas quero tanto ir embora.
És a cidade mais linda que eu já vi mas eu também não vi muitas mais.
As pessoas que sobrevivem não podem conhecer o mundo e isso é uma merda.
Não me digas que às vezes é preciso fazermos coisas que não gostamos porque a vida é dura,
não me digas isso, agora a sério:
eu sei disso melhor que tu porque já tive muitos trabalhos que não gostava.
Eu falo desta maneira fria mas não é por querer que a vida seja perfeita ou fácil,
nem por achar que só devo fazer coisas que gosto.
Eu só acho é que há uma altura em que já não é justo.
Porque é que eu tenho de servir às mesas ou vender sapatos se não foi para isso que estudei?
Porque é que eu tenho de servir às mesas ou vender sapatos se não é isso que eu quero?
Porque é que eu tenho de servir às mesas ou vender sapatos se não é isso que me faz feliz?
Para sobreviver Ana, para sobreviver.
Mas eu não quero mais sobreviver eu quero ter dinheiro para pagar a renda a horas,
eu quero ter dinheiro para poder ir dançar de vez em quando e ir ao Pingo Doce sem ter de fazer contas.
Servir às meses ou vender sapatos é um sonho como qualquer outro mas não é o meu e é esse o problema.
Eu tive de aprender a ser eficiente em trabalhos onde não queria estar mas precisava.
Ah mas ao menos tens arranjado trabalhinhos e feito uns trocos,
Ah mas não te queixes que tu ao menos não tiveste de voltar para casa dos pais,
Mas eu não tive de voltar para casa dos pais porque faço sacrifícios e tenho empregos que não gosto.
E porque tenho ido à luta por saber inventar as minhas próprias armas.
Eu estou farta de ter trabalhos onde não puxo pela cabeça.
Eu estou farta de ter trabalhos que não me dão tesão intelectual.
Eu valho mais que isso.
Eu tenho ideias.
Eu sei escrever bem e rápido.
Eu até tenho algum jeito para fotografar pessoas.
Eu não investi dinheiro e esforço para isto.
Eu fui parida para ser feliz porra!
Eu fui parida para ser feliz!
Eu fui parida para fazer o que me faz vir.
Eu não quero mais ser explorada,
trabalhar 6 meses sem um contrato ou um desconto,
eu não quero receber ordenado só quando dá para receber.
Porque na vida real as contas têm de ser pagas antes de dia 8 de cada mês.
A empresa tem dificuldades financeiras
mas eu também as tenho.
Lisboa eu amo-te tanto e há seis anos que somos felizes juntas mas és uma puta cara,
és uma puta demasiada cara para o meu bolso,
pensar que o dinheiro de um quarto aqui equivale a uma casa noutra cidade do país deixa-me envergonhada,
envergonhada por insistir em ficar cá.
Mas a culpa não é minha mas sim do meu país brutalmente centralizado.
Não me digas que se fazem coisas maravilhosas fora de Lisboa que eu sei que se fazem,
mas não há espaço para todos.
Sinto-me mais confiante que nunca mas isso não dá jeito nenhum,
porque seria mais fácil acreditar que estava destinada a um trabalho que não gostasse,
que a minha vida seria só isso,
talvez se me tivessem convencido que era igual a toda a gente eu fosse uma miúda que pedisse menos,
talvez até fosse mais feliz porque os mais burros são sempre os mais felizes.
Eu peço mais do que isto mas porque sei que consigo.
Talvez fosse mais fácil encostar-me, contentar-me e ter uma vida como toda a gente
de cabeça baixa a fazer o que há para fazer.
A viver a vida que quero ter apenas na minha cabeça.
Mas sou uma miúda sonhadora e serei sempre, podes crer,
os sonhos servem para saírem da nossa cabeça e viverem nas nossas mãos.
Vamos brincar à gratidão de ter um trabalhinho sem condições,
Com horário repartidos a fazer coisas que detestamos para sermos felizes só aos fins de semana.
Gratidão uma merda,
eu tenho valor e quero ter condições e ganhar bem.
A vida passa veloz e não quero ter filhos aos quarenta anos,
eu quero ter uma casa minha e poder tirar a carta de condução.
Porque é engraçado ver miúdos de 18 anos a conduzir um carro e eu não,
eu não quero ter um trabalho com uma folga semanal
porque adivinhem:
eu já os tive
e eu quero ter uma vida além do trabalho
e ter 20 euros se me apetecer ir ao teatro.
Eu quero ter dinheiro para poder comprar um livro
sem ter de abdicar da conta de internet.
Ninguém merece ter uma folga semanal à segunda feira
para chegar aos 80 anos e pensar que não se aproveitou a vida enquanto se era jovem.
Eu não vou ser comida lentamente por um trabalho mal pago que não me realiza.
E que se foda este texto que eu agora tenho de ir enviar mais uns currículos que ninguém vai ler,
porque os cargos bons na verdade não abrem concursos públicos,
as cadeiras já estão quentes para os filhotes dos amigos.
Cada um vai safando-se como pode e eu se tiver uma cunha em algum lado
Vou aproveitá-la muito bem também.
Toda a gente me vomita dicas para conseguir o que quero
Mas a maioria dessas pessoas nunca as utilizou,
porque antigamente ias para um trabalho aos vinte anos e ficavas lá até à reforma.
E hoje pedem que fiques feliz e satisfeito com um contrato de 6 meses sem condições.
A vida dá muitas voltas e eu espero um dia ler este texto e rir-me,
sentada num jardim a ver os meus filhos crescer sem preocupações.
Não estava preparada.
Porque não se pode estar preparado para não se ser reconhecido nem ter uma oportunidade
depois de tanto sacrifício e suor.
Alguém me dê um bilhete só de ida que eu quero ir trabalhar para fora,
mesmo que as saudades do meu sobrinho me laminem a carne em fatias,
de qualquer maneira nem tenho conseguido visitá-lo todas as semanas como gostaria
tal não é a madrinha que sou.
Amo-o muito e penso nele todos os dias,
e quero ter dinheiro para o levar ao Jardim Zoológico daqui a uns anos.
Mudei muito desde o dia em que fiz o meu último exame na faculdade,
sinto-o.
Estou muito cansada do meu último ano porque não tenho tido descanso
e quando vislumbro ao longe uma hipótese que as coisas possam correr bem
não correm.
Não sou uma miúda com azar porque eu tenho uma vida maravilhosa
cheia de amor e de amigos e sorrisos apesar de tudo,
mas eu só queria ter um emprego para o qual estudei que me desse condições humanas
e não me considerasse um número inútil.
Tenho-me cruzado com muitas pessoas pelo caminho
e realmente há talentos incríveis que nunca irão correr o mundo.
É injusto e profundamente triste
e eu não me conformo.