24-10-2014

Mais um amor de plástico com 0% de açúcar, comprado na quinta prateleira a contar de baixo, terceiro corredor à esquerda. Um rótulo já gasto cuja tinta das letras se solta mais um pedaço, todos os dias, 10% de indiferença, 40% de sexo, 5% de balelas. Uma discussão de vez em quando. Mais um amor empacotado, amofinado, selado por duas entidades perdidas nas vielas de uma cidade deserta. Um amor cozinhado em lume brando e esquecido em cima da chama até transbordar para fora da taça com bolhas aflitivas. Um amor de microondas. Aquecido a 140 graus durante os primeiros meses. Mais um amor que nem é amor porque as pessoas gostam-se, aturam-se, habituam-se. Vão convivendo. Vão-se fodendo. Já ninguém quer participar num amor igualitário entre os intervenientes. Tu podes ser, mas eu tenho de ser mais que tu. Tu podes voar, mas eu tenho que voar mais alto que tu. Tu podes ser bonito, mas eu tenho de ser mais bonito que tu para o caso de andares aí com ideias de. Eu posso sofrer mas tu tens de sofrer mais do que eu. Não te reveles superior a mim em nenhum momento, que isso não pode ser. E as pessoas vão vivendo nesta nojeira imunda, que fede e me dá vómitos. Pontualmente vão surgindo casos onde efectivamente este amor plastificado se manifesta duradouro: as pessoas casam-se, prometem merdas que nunca vão cumprir, gastam dinheiro no copo de água e na lua-de-mel que é a única viagem em conjunto que fazem na vida. Têm filhos. Deixam de conversar. Ficam cansadas delas próprias e do outro. E separam-se, enfim. Mas eu acredito no alto dos meus ténis esburacados que isso acontece porque nós não suportamos que haja alguém melhor que nós. Vivemos na esperança que o Outro seja inferior a nós, porque se for inferior a nós é ele quem sofre e não nós, não nós, nós nunca. Deixa-me lá saber mais do que tu. Deixa-me lá ter mais sucesso. Deixa-me lá receber um salário melhor que o teu. Deixa-me lá trair-te para não ser eu o desgraçado de testa pesada. Vivemos um jogo de Quem é Melhor que Quem?. As pessoas já nem se fodem como deve ser, porque não sabem. Vem no rótulo do amor plastificado: contra indicações: possível desconhecimento súbito do acto de foder.
Eu sei que ninguém pensa nestas merdas porque temos o curso para acabar, porque temos de trabalhar das nove às seis. Porque há os filhos e as obrigações e a cidade que não pára. Porque ninguém quer ficar sozinho, a viver num T1 com 3 gatos e sem lençóis desarrumados todas as noites. As pessoas têm medo de ficar sozinhas e é por isso que se rebaixam, que se calam, que em muitos casos sofrem agressões físicas e psicológicas. Tudo por causa deste amor de microondas, falsificado, adulterado, sem paixão, arrefecido e com bolor. Este amor rançoso, infectado e fedorento.
Eu prefiro morrer sozinha, viver focada na carreira e dividir casa com dois cães do que participar neste sentimento fétido e fora de validade. Prefiro morrer sozinha se for para viver desta maneira nauseabunda. Quero alguém que partilhe o pódio comigo, que admita que podemos viver em equilíbrio, tu fazes isto tão bem mas aquilo já não fazes e eu vou ajudar-te. Sê e voa, não me importo, eu sou e voo também, e vamos voando sem invejas e sem merdas. E podes chorar e gritar a meio da noite, que eu abraço-te. E olha, nem precisamos de casar, vamos só ficar juntos e encher esta casa de putos ranhosos que oiçam boa música, que leiam, que sejam bondosos e educados. E vamos ter um cão ou dois para nos esburacar o jardim, que eu não me importo. E quando eu tiver febre sei que estarás aí, para cuidar de mim. E sei que nunca me vais deixar sozinho no escuro e que me vais aquecer quando tremer de frio. Sei que o nosso amor não foi comprado nem fabricado do outro lado do mundo. Foi moldado a nós os dois, com as nossas mãos. E quando te sentires perdida insegura e triste eu vou estar aqui para te mimar. Quando não souberes cozinhar esse prato eu ensino-te. Quando não souberes por onde ir eu guio-te. Não quero nem preciso ser superior a ti, quero dizer-te todos os dias que te amo, que és uma pessoa especial e única no mundo. E que preciso de ti, tanto, para ser feliz. Que preciso de ti para ter paz. Que preciso de ti quando estou zangado porque me dás calma.

As pessoas compram amores de microondas mas eu não, eu não. Recuso-me. E sou grata por ter do meu lado um rapaz que também não compra, e que eu amo, muito, sem rótulos e bolor. 
Um amor 100% amor.